Levantamento preliminar indica um potencial de cerca de R$ 10 bilhões que poderiam reforçar o caixa do Tesouro neste ano e contribuir para o alcance da meta de resultado primário.
Essa seria, na avaliação de técnicos do governo, uma importante sinalização ao mercado financeiro, que demonstra ceticismo em relação à meta de déficit zero em 2025 e tem criticado o uso de fundos públicos e privados para viabilizar diferentes políticas.
Segundo um interlocutor do governo que participa das discussões, há cerca de R$ 4,5 bilhões parados em fundos destinados a atender empresas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul.
O recurso serviria como garantia em operações de crédito, uma forma de baratear o custo do financiamento para os tomadores ao reduzir riscos para a instituição financeira em caso de inadimplência. No entanto, nem toda a verba destinada (R$ 6,05 bilhões) foi comprometida.
Além disso, com o fim do decreto de calamidade (em 31 de dezembro de 2024), o governo vê como encerrada a possibilidade de novas contratações.
O Executivo também mapeia recursos parados no Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo), criado para honrar contratos inadimplentes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).
O Fgeduc já chegou perto do seu limite de cobertura e deve fazer apenas desembolsos residuais daqui para frente. O relatório da administração do fim de 2023 mostra que o índice de valores honrados já estava em 9,81%, ante um limite de 10%, e o patrimônio líquido ainda era robusto (R$ 10,9 bilhões).
O governo inclusive já transferiu R$ 6 bilhões que estavam ociosos para outro fundo, o Fipem, que banca o programa Pé-de-Meia (com pagamento de bolsas para alunos de baixa renda no ensino médio) —operação criticada pelo TCU(Tribunal de Contas da União). Mas o volume de recursos livres no Fgeduc pode ser maior. Se isso se confirmar, a intenção é resgatá-los para reforçar o caixa do Tesouro.
Quando a União integraliza cotas em fundos privados, essa operação representa uma despesa primária. O repasse sensibiliza as regras fiscais, como o limite de gastos do arcabouço e o resultado primário —a não ser quando há exceção prevista expressamente em lei, como ocorreu no caso da calamidade no Rio Grande do Sul.
No resgate das cotas pela União, o dinheiro recebido é contabilizado como receita primária, ajuda a equipe econômica no alcance da meta fiscal e reduz a necessidade de buscar recursos no mercado para honrar seus compromissos (o que impactaria a dívida pública).
Na visão de economistas, a equipe econômica deveria fazer um resgate até mais amplo de recursos desses fundos para reduzir o endividamento do país, mas isso não está em discussão no momento. Para técnicos do governo, qualquer saque de valores deve ser analisado com cuidado para não prejudicar políticas consideradas importantes.
O FGO (Fundo de Garantia de Operações), por exemplo, já recebeu R$ 44 bilhões da União (incluindo R$ 5,1 bilhões aportados para as operações do Rio Grande do Sul), mas só R$ 29 bilhões estão comprometidos em honras e garantias neste momento, segundo o Banco do Brasil, administrador do fundo.
O governo também prevê destinar R$ 4 bilhões livres do FGO para o Pé-de-Meia, o que deixa um saldo disponível de R$ 11 bilhões. O Executivo pretende resgatar o valor não utilizado nas ações do RS, mas há o desejo de preservar os recursos usados para garantir contratos do Pronampe, programa de crédito para micro e pequenas empresas. Do contrário, haverá um encolhimento no financiamento a essas companhias.
O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, afirma que os fundos garantidores receberam um "montante brutal" de recursos na pandemia de Covid-19 para lidar com os efeitos econômicos da crise sanitária. Com o fim da emergência, ele defende uma avaliação criteriosa sobre a necessidade de manter o mesmo volume de garantias.
"Quando criaram [os programas], isso impactou o primário. A ideia era voltar o dinheiro, só que nunca voltou", critica. Para ele, seria pertinente dimensionar a real necessidade desses programas de crédito à luz da realidade atual.
Mendes lembra ainda que o governo criou, no fim de dezembro, um novo fundo privado para financiar ações de reconstrução no Rio Grande do Sul. O repasse inicial de R$ 6,5 bilhões ficou fora das regras fiscais (graças ao decreto de calamidade) e elevou a dívida pública.
O uso de fundos públicos também desperta preocupação crescente entre economistas de fora do governo.
O governo possui uma série de fundos abastecidos por receitas públicas, como é o caso do Fundo Social do Pré-Sal e o FNDCT (Ciência e Tecnologia). Muitos deles acumulam superávits financeiros, isto é, os gastos não consomem todas as receitas carimbadas para o fundo. Quando isso acontece, o Executivo tem a opção de desvincular os saldos e utilizar para financiar outras despesas dentro do Orçamento, ou abater a dívida pública.
Dados compilados pela Folha a partir de uma portaria do Tesouro Nacional mostram que, no fim de 2024, havia um saldo de R$ 118,5 bilhões passíveis de desvinculação. O órgão não forneceu dados agregados quando procurado pela reportagem.
Uma lei aprovada no ano passado, no pacote de medidas do ministro Fernando Haddad (Fazenda), permite o uso do superávit de cinco fundos para abater a dívida pública. O levantamento mostra que eles reúnem R$ 23,65 bilhões.
No entanto, o governo tem recorrido à desvinculação para outras finalidades, como abastecer outros fundos que servem de fonte de financiamento para linhas de crédito operadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Exemplos são o Fundo Clima e um fundo emergencial para o RS.
Na última quinta-feira (6), uma MP (medida provisória) editada por Lula flexibilizou a alocação dos recursos do Fundo Social, o que amplia o montante de recursos que podem irrigar esses fundos.
Neste caso, a despesa é financeira e não sensibiliza as regras fiscais, embora contribua para o aumento da dívida bruta do país. Além do uso alternativo dos recursos, algumas dessas linhas são operadas com juros mais baixos do que aqueles pagos pela União a seus investidores, o que gera um subsídio implícito.
Um técnico do governo ouvido pela reportagem afirma que a desvinculação é apenas uma das fontes possíveis para esses fundos, que podem ser abastecidos com recursos livres (receitas públicas sem carimbo específico) ou novas emissões de dívida. Um exemplo é o novo FIIS (Fundo de Investimento em Infraestrutura Social), que tem um aporte de R$ 10 bilhões em recursos livres já previsto na proposta orçamentária de 2025.
O argumento desse interlocutor do governo é que a questão não é a desvinculação em si, mas uma visão distinta que governo e mercado têm sobre a importância desses programas.
Para o Executivo, a prioridade é fomentar os investimentos que prometem entregar aumento futuro na capacidade produtiva do país. Para o mercado, seria mais importante reduzir a dívida pública, inclusive diante do retrospecto de programas mal focalizados nessas áreas.
Marcos Mendes avalia que o uso de fundos para impulsionar linhas de crédito cria um obstáculo à transparência.
"O resultado primário deixa de refletir o real impacto do desembolso do governo na economia. Na hora que vai para a concessão de crédito, [o tomador] vai investir, e isso pressiona a demanda. O governo está botando o pé no acelerador", critica.
Fundos públicos
Fundos privados
Fonte: www1.folha.uol.com.br
› FONTE: 24 Horas No Ar (24horasnoar.com.br)