NELSINHO TRAD – senador (Mato Grosso do Sul), foi prefeito de Campo Grande
Não é como nas profecias de Antônio Conselheiro, de o sertão virar mar e o mar virar sertão. O que vemos no Pantanal sul-mato-grossense com o Rio Taquari é pior. O que antes era um rio apresenta desertos e inundações. O leito ficou mais alto do que as margens e as áreas secas, agricultáveis e de uso da pecuária pantaneira passaram a ser terrenos alagados permanentemente. Moradores, fazendeiros e as próprias criações que ali viviam tiveram que deixar a região.
O fio desse desastre ambiental pode ser puxado da recente ocupação humana nos chapadões onde se formam as nascentes do Taquari. Começou nos anos 1970, com a agropecuária intensiva. De lá para cá, a cobertura vegetal tem escasseado monstruosamente: em 1974, era de 5,6% a taxa de desmate acumulado; em 2020, ela subiu para 62%. Outro modo de dimensionar o desastre é constatar que, entre 2000 e 2020, a bacia do Alto Taquari perdeu 15% de área, o equivalente a 851km² de formações florestais; e 30% de formações de savana, uma área de 1.565km².
O dano maior tem sido nas áreas acidentadas e de baixa altitude, onde predominam os pastos de pecuária extensiva. Ali, existem verdadeiros cânions, iniciados como voçorocas, demonstrando que o processo erosivo está no estágio mais avançado. Algumas dessas fendas chegam a ter 30 metros de profundidade, deixando à mostra o lençol freático.
Como resultado, ao longo dos anos, a maior parte do rio foi desviada, já que o leito extrapolou a altura das margens. O rio teve o curso alterado e imensas áreas foram inundadas de maneira permanente, rompendo o ciclo do Pantanal.
É aterrorizador o que se vê, por exemplo, à beira de um precipício de algumas dezenas de metros: um morador local, o sr. Adilino Custódio, afirma que tudo ali era planície: “Não tinha nem um buraquinho”. Outros depoimentos e imagens de moradores da região chocam os que leem as dezenas de reportagens a respeito da situação calamitosa do Rio Taquari.
Nesse cenário, transbordam incertezas. Mas é possível imaginar uma solução? Talvez e apenas no longo prazo. Por exemplo, foi instituído, em 1999, o Parque Estadual das Nascentes do Taquari, com pouco mais de 30 mil hectares. E, mesmo com uma área modesta — só 1% da bacia do Alto Taquari —, essa reserva ainda não começou a produzir seus efeitos benéficos, pois 80% de sua área ainda são fazendas particulares, os acordos indenizatórios não têm prosperado.
Há esperanças, portanto, para superar uma situação tão adversa? Quero crer que sim. As experiências com agricultura sintrópica, por exemplo, têm demonstrado excelentes resultados. Com um conceito de que é possível plantar água, Ernst Götsch, um pesquisador e agricultor suíço, tem demonstrado o quanto é possível desenvolver, simultaneamente, a produção de alimentos e a recuperação florestal. Na fazenda que cultiva desde 1980 no sul da Bahia, seu trabalho fez ressurgir 14 riachos que cruzavam os 510 hectares da Fazenda Piraí do Norte.
Ao assumir aquela propriedade, a terra estava devastada pelo uso não sustentável. Com sua disposição, generosidade e técnica, em menos de dois anos, Götsch já havia reflorestado tudo. Ao longo dos antigos cursos dos riachos, plantou árvores; e as raízes delas, ao mesmo tempo, protegeram o solo da erosão, ampliaram a umidade no terreno e aumentaram em 70% a quantidade de chuva na fazenda, em um processo conhecido como evapotranspiração.
Hoje, quem visita a Fazenda Piraí contempla uma floresta que imagina ser centenária, com grande variedade de frutas, legumes e árvores imensas. Com somente 1% da área cultivada, Götsch exporta para a Europa um cacau de altíssimo valor.
A prática tem chamado a atenção tanto de pequenos agricultores familiares quanto de grandes grupos exportadores de alimentos. É uma gota de esperança, exemplo do que pode ser feito para que, daqui a algumas décadas, possamos recuperar rios como o Taquari e mudar o curso dessa tragédia.
Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 26/08/2022
Foto: MAURO PIMENTEL
› FONTE: 24 Horas No Ar (24horasnoar.com.br)
