ANS sob pressão no Senado: cancelamentos unilaterais e silêncio regulatório marcam audiência sobre planos de saúde

Publicado em 15/05/2025 Editoria: Mato Grosso Do Sul

ANS sob pressão no Senado: cancelamentos unilaterais e silêncio regulatório marcam audiência sobre planos de saúde

Senadores, Ministério Público e entidades de defesa do consumidor acusam agência de omissão diante de práticas abusivas de operadoras; ANS nega mudança em cobertura e afirma que proposta de certificação foi mal interpretada

A Comissão de Assuntos Sociais do Senado realizou, na última semana, uma audiência pública marcada por críticas contundentes à atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No centro das preocupações estão o aumento dos cancelamentos unilaterais de planos coletivos — principalmente em casos envolvendo crianças autistas e pacientes com doenças raras — e a polêmica sobre as diretrizes de mamografia na saúde suplementar.

O debate foi convocado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que questionou a perda de proteção contratual nos planos empresariais.

“Crianças autistas, pacientes com doenças raras, além de muita gente que precisa muito dos planos de saúde estão sendo desligados. Esses cancelamentos unilaterais preocupam e muito. Queremos saber: as operadoras estão cumprindo a lei e a ANS está fiscalizando como deve?”, completou o senador.

Ministério Público: “Judicialização mostra falha regulatória”

O subprocurador-geral da República Nicolao Dino apresentou dados que apontam um cenário de desregulação. Entre 2022 e 2024, a ANS recebeu 36.179 demandas sobre negativas de atendimento a pessoas com transtorno do espectro autista. Entre abril de 2023 e janeiro de 2024, a plataforma consumidor.gov.br registrou 5.400 reclamações sobre cancelamentos unilaterais. Segundo o CNJ, em abril de 2024, o Brasil já havia acumulado 27 mil novos processos judiciais na área da saúde suplementar — e 164.905 no primeiro semestre do ano.

“Há uma compreensão equivocada no que se refere à possibilidade de tratamento dispar entre planos de saúde individuais e coletivos”, disse Dino.
“O fato de a lei vedar a rescisão unilateral nos planos individuais não autoriza a prática nos coletivos.”

O subprocurador também mencionou uma recomendação enviada à ANS em fevereiro, com prazo de 45 dias para resposta, que até agora não foi atendida. O documento pede o fim dos cancelamentos unilaterais e o bloqueio do descredenciamento imotivado de clínicas essenciais para o atendimento multidisciplinar.

Defensoria e entidades veem retrocesso

Representando a Defensoria Pública da União, o defensor público federal Charles Frajdenberg declarou:

“Esses produtos vão afetar diretamente as camadas mais pobres da população e também a classe média. Pode haver uma migração dos planos com cobertura plena para planos extremamente reduzidos.”

Marina Paullelli, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), disse:

“Cancelamentos, reajustes abusivos, negativa de cobertura — esses são os principais motivos de reclamação que chegam ao Idec. Os planos de saúde continuam entre os campeões de queixas dos consumidores.”

ANS nega mudanças e afirma que proposta foi mal interpretada

A diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS, Ana Paula Cavalcante, afirmou que a proposta em consulta pública que trata da atenção oncológica gerou interpretações equivocadas:

“Nenhuma operadora, certificada ou não, poderá negar mamografia em qualquer idade, desde que haja prescrição médica. A proposta trata de selo de qualidade, não de restrição de direitos.”

Ela informou que a consulta recebeu mais de 63 mil manifestações.

Rafael Vinhas, diretor de Normas e Habilitação de Produtos da ANS, defendeu o uso de ambientes regulatórios controlados para testar novos produtos:

“Não se trata de retrocesso, mas de oferecer alternativas reais para quem hoje não consegue acessar a saúde suplementar. Vamos testar um produto e, se não funcionar, corrigimos ou interrompemos.”

Operadoras rejeitam críticas e defendem inovação

César Cardim, representante da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), afirmou:

“Estamos falando de um produto adicional, com foco em pessoas que hoje dependem de cartões de desconto sem qualquer regulação. Com mais liberdade, podemos criar soluções mais aderentes à realidade da população.”

Marcos Novaes, da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), declarou:

“Temos 52 milhões de brasileiros em planos de saúde, e 90% deles desejam manter esse vínculo. Segundo a Senacon, o setor representa apenas 1,4% das reclamações na plataforma consumidor.gov.br.”

Governo propõe grupo de trabalho multissetorial

O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon, Vitor Hugo Ferreira, anunciou a suspensão de um processo administrativo e a criação de um grupo de trabalho para buscar soluções conjuntas:

“O objetivo é buscar uma solução definitiva para os problemas levantados, com foco em revisão normativa e transparência para os beneficiários.”

Segundo ele, o grupo terá representantes da ANS, Idec, FenaSaúde, Abramge, defensorias públicas, Bradesco Saúde e Hapvida.

Participação popular pressiona por respostas

Durante a audiência, o portal e-Cidadania recebeu diversas perguntas de usuários. Uma das mais votadas questionava se as propostas da ANS não violavam o princípio da vedação ao retrocesso social.

“Não enxergamos retrocesso. Estamos tentando atender uma parcela da população que hoje está completamente fora da saúde suplementar por causa do custo”, respondeu Rafael Vinhas.

Outra pergunta abordava a falta de transparência nas decisões. Vitor Hugo Ferreira respondeu:

“O Código de Defesa do Consumidor vai consolidar a ideia de informação como um direito básico. […] Posso garantir que a Secretaria Nacional do Consumidor vai continuar exigindo ampla transparência.”

Caminhos a seguir

Ao final da audiência, o senador Nelsinho Trad anunciou uma nova etapa do debate com convidados que não puderam comparecer a esta primeira rodada.

“O que a gente quer aqui é entrar num campo da sensatez, do equilíbrio, para poder avançar — não só sob o ponto de vista da oferta do bom serviço de saúde para aquele que detém o plano, como também dar condições para que esse plano venha a ser saudável e que venha a cobrir as eventuais situações que um paciente possa vir a precisar.”

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&128204; O que diz a lei sobre cancelamentos
A Lei nº 9.656/1998 proíbe a rescisão unilateral de planos individuais durante período de internação e exige regras claras de cancelamento contratual.
Para planos coletivos com menos de 30 pessoas, o STJ determinou que a rescisão exige justificativa idônea.
Em planos coletivos com mais de 30 vidas, a ANS permite cancelamento com notificação prévia mínima de 60 dias, desde que previsto em contrato.
Entidades de defesa veem nisso uma brecha legal que favorece exclusão de pacientes vulneráveis.

&128204; Entenda os planos segmentados com cobertura reduzida
A proposta discutida na ANS envolve um plano com serviços limitados (por exemplo, só consultas e exames simples), sem internação.
Trata-se de um “sandbox regulatório”, ambiente de testes regulado pela agência.
A ANS afirma que quer incluir quem hoje não consegue pagar um plano completo.
Entidades civis alertam para risco de criar um sistema de acesso desigual e contratos confusos.

 

› FONTE: 24 Horas No Ar (24horasnoar.com.br)