A aposta do governo Bolsonaro para fazer fluir o crédito às micro e pequenas empresas, que ainda não foram socorridas na crise, pode não chegar integralmente às mãos dos pequenos empresários. Com taxa de juros fixada, alguns bancos podem se valer da cobrança compulsória de tarifas e seguros prestamistas, aqueles atrelados a empréstimos, para liberar os recursos que podem chegar a R$ 18,7 bilhões.
Até o momento, 23 instituições financeiras já sinalizaram interesse em participar do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Dessas, 14 entregaram documentação ao Banco do Brasil, responsável por gerir o Fundo Garantidor de Operações (FGO). Por ora, apenas cinco já tiveram a adesão formalizada à iniciativa.
Diante das críticas de que as torneiras de crédito não são suficientes para fazer o dinheiro chegar à ponta, principalmente para as micro e pequenas empresas, o governo Bolsonaro tem pressionado os bancos a aderirem ao Programa, lançado há cerca de 20 dias. No entanto, a taxa de juros estabelecida, considerada baixa pelas instituições, e entraves burocráticos têm retardado o início da oferta em algumas casas.
O BB, que administra o FGO, começou a operar a linha hoje. O banco espera contratar todo o limite de R$ 3,7 bilhões estabelecido às grandes instituições – a cifra muda conforme o porte, de acordo com o vice-presidente de negócios de varejo do BB, Carlos Motta. Por ora, já recebeu a demanda de 45 mil empresas interessadas, num total de R$ 2 bilhões em crédito. “É uma linha menos travada e mais simplificada para a micro e pequena empresa”, disse, em conversa com jornalistas, nesta tarde.
A meta do BB, porém, é beneficiar 180 mil pequenos e micro negócios, conforme o presidente do banco, Rubem Novaes. Critico das medidas de isolamento social por conta do estrago econômico no País, ele afirmou que não há escassez no crédito, mas uma demanda “enorme”, que tem sido endereçada. “O Pronampe acerta nas condições de taxa e prazo. Vamos seguir as características gerais e não cobraremos tarifa de abertura de crédito, nem de seguro prestamista”, cutucou o executivo, durante anúncio da linha, em live, hoje.
As condições gerais do Pronampe são as mesmas para todos os bancos. O prazo de financiamento é de 36 meses, sendo oito de carência, com taxa de juros anual de 1,25% mais a Selic (em 2,25% ao ano). O empréstimo é limitado a 30% da receita bruta anual, considerando o que foi declarado junto à Receita Federal.
No entanto, além disso, os bancos também podem cobrar itens adicionais aos estabelecidos no programa. A Caixa, por exemplo, cobra a Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) de até R$ 5 mil, o que diminui o valor contratado na linha em 3%. Algumas empresas também reclamam que, em certos casos, os custos de abertura da conta e do seguro prestamista (que garante o pagamento em caso de morte, por exemplo) fazem com que os juros finais dobrem de tamanho.
“Não deveria ter o seguro prestamista, uma vez que o Pronampe tem garantia do FGO para 100% das operações e até 85% da inadimplência”, explica um executivo de um grande banco, na condição de anonimato.
A Caixa diz, porém, que a tarifa cobrada no programa é praticada em todos os demais produtos de crédito do banco e que o seguro prestamista é opcional. Além disso, sinaliza que isso não tem diminuído a demanda. Em apenas 15 diasdesde que começou a operar o Pronampe, já liberou mais de R$ 1 bilhão em crédito e um total de 16,4 mil contratos, conforme dados exclusivos obtidos pelo Estadão/Broadcast.
O Pronampe é uma tentativa de contornar a dificuldade para tomar crédito durante a pandemia, uma das principais reclamações das micro e pequenas empresas. Levantamento feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que as empresas que tentaram obter crédito relatam que as taxas de juros elevadas estão entre os principais entraves, atrás apenas das exigências feitas pelos bancos.
Desde o início da quarentena, o paulistano Humberto Gonçalves, 49 anos, sócio da Forjaria Tec-Stam, tenta conseguir crédito. Para ajudar a pagar a folha dos 46 funcionários da empresa e direcionar o restante para capital de giro e manutenção de equipamentos, ele pediu R$ 150 mil emprestados em três bancos, mas sem sucesso. “Os juros eram sempre altos demais ou eles simplesmente negavam o empréstimo, pedindo garantias que a gente não tinha.”
Após ver o faturamento cair 50% em abril e 30% em maio, ele não teve alternativa senão usar capital próprio para continuar funcionando, apelar para a antecipação de recebíveis e negociar com os fornecedores. “Quando a empresa é grande, o banco empresta sem pensar duas vezes. A gente quer continuar funcionando e atravessar a crise sem precisar demitir, mas essa é uma conta que fica cada vez mais irreal. O dinheiro existe, só não chega em condições razoáveis para o pequeno empresário.”
Para o professor do Insper Gino Olivares, há um claro problema de execução dos programas de crédito. “Se julgarmos pelos montantes anunciados, a resposta dada pelo governo parecia apropriada, o problema está na execução. As medidas de liberação de crédito tinham potencial de mais de R$ 1 trilhão, mas só 20% disso foi executado. Os bancos, por outro lado, ainda estão relutantes na hora emprestar, principalmente para as empresas de menor porte, que têm menos garantias a oferecer.”
A economista Viviane Seda, do Ibre, avalia que os primeiros programas de concessão de crédito tiveram pouco apelo junto aos empresários não só pelas taxas de juros elevadas, como por atrelar o recurso à manutenção da folha de pagamento. “Muitas empresas de pequeno porte nem tinham sua folha em uma instituição bancária. Tomar crédito simplesmente ficou menos interessante para elas do que cortar funcionários ou reduzir a carga horária.”
Viviane avalia que o Pronampe pode ir em uma direção mais acertada, mas o empresário ainda está relutante em assumir uma dívida, dadas as incertezas quanto à recuperação da economia após a pandemia. “O enfrentamento do vírus e as medidas para sair da quarentena de forma responsável têm sido tão atrapalhados, que o empresário não consegue se planejar. Ainda que novos programas reduzam as exigências, o empresário vai pensar duas vezes antes de assumir uma dívida que vai ser cobrada mais cedo ou mais tarde.”
Fonte: Estadão
› FONTE: 24 Horas No Ar (24horasnoar.com.br)