Apesar da relação de confiança construída como ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid manteve um convívio tenso com a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Conversas no celular de Cid mostram, pela primeira vez, detalhes dos atritos entre os dois.
O UOL teve acesso ao celular de Cid. São mais de 20 mil arquivos e, apenas no WhatsApp, 158 mil mensagens.
Uma parte do material se tornou pública após a conclusão das investigações da PF, mas o restante do conteúdo ainda estava sob sigilo. O tenente-coronel dispara críticas e ironias sobre Michelle em conversas com diversos interlocutores. O coronel Marcelo Câmara, que já trabalhava no Palácio do Planalto, foi o assessor designado para acompanhar Bolsonaro na viagem aos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022. Ele mantinha contato diário com Cid para resolver demandas do ex-presidente e, nessas conversas, ambos citam —em tom de ironia— questões envolvendo Michelle. Em 28 de dezembro daquele ano, Cid compartilha com Câmara um print da conversa dele com a primeira-dama, na qual ela o acusa de vazar informações contra ela para uma reportagem. Na mensagem, Michelle diz ao tenente-coronel: "Agiu rápido né". Cid não respondeu ao comentário. A conversa mostra que a desconfiança e indisposição entre os dois eram recíprocas: Michelle indica que Cid abasteceu a imprensa com críticas ácidas contra ela. Em 11 de janeiro de 2023, durante a estadia nos EUA, Câmara diz que precisou sair com a ex-primeira-dama (citada pela sigla PD) e se refere a ela como a "amiga" de Cid, provocando risos. As críticas mais ácidas de Cid a Michelle são feitas em diálogos com o ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro Fabio Wajngarten. Reportagens especiais e exclusivas com o selo UOL Prime, o melhor do jornalismo do UOL Os dois conversaram longamente sobre as investigações que atingiam Bolsonaro e sobre o cenário político no Brasil. Em geral, Wajngarten encaminhava notícias da imprensa para Cid sobre o cenário político ou pedia informações para responder a questionamentos de jornalistas. Também debateu estratégias para defesa no caso das joias. Em 27 de janeiro de 2023, Wajngarten envia a Cid uma notícia de que o PL estudava a possibilidade de lançar Michelle como candidata presidencial no lugar de Bolsonaro, caso ele se tornasse inelegível, o que veio a ocorrer em 30 de junho de 2023, após julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. O tenente-coronel responde imediatamente: "Prefiro o Lula". Procurado para comentar as conversas, Wajngarten afirmou que fazia uma análise sobre as notícias que saíam na imprensa. Disse ainda que, naquela época dos diálogos, "jamais se imaginou a ex-primeira-dama como candidata". "Os diálogos ocorridos nada mais eram do que análise de notícias que saíam na imprensa", afirmou. A defesa de Cid não quis se manifestar porque não teve acesso aos diálogos. A assessoria de imprensa de Michelle não respondeu aos contatos. Dias depois, Wajngarten encaminha a Cid duas mensagens, sem identificar a origem, com críticas ao PL pelo salário que seria pago a Michelle Bolsonaro. Cid responde com um áudio: "Cara, se dona Michelle tentar entrar pra política, num cargo alto, ela vai ser destruída, porque eu acho que ela tem muita coisa suja... não suja, mas ela né, a personalidade dela, eles vão usar tudo contra pra acabar com ela. E Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] fala demais também, aquele negócio dos documentos, dos papéis, tá todo enrolado agora". Cid não dá detalhes sobre o que ele definiu como "muita coisa suja". Dias depois, Wajngarten compartilha uma nova reportagem sobre uma possível candidatura de Michelle, dessa vez ao Senado. O ex-secretário de Comunicação diz a Cid que perguntou diretamente a Bolsonaro se ele tinha dado anuência para esse movimento político e alertou o ex-presidente de que a divulgação de informações desse tipo geraria notícias negativas sobre Michelle. Segundo Wajngarten, Bolsonaro teria lhe telefonado para abordar o assunto, mas o ex-secretário não revela qual foi o teor da conversa. Cid manifesta concordância e volta a dizer que a ex-primeira-dama teria informações comprometedoras em sua biografia que queimariam uma possível candidatura.
&39;Prefiro o Lula&39;, diz Cid